Abstract
A crónica, na atualidade, contrariamente ao que a tradição nos revela, é, enquanto género, dotada de uma característica peculiar que a individualiza: os assuntos abordados ultrapassam largamente os limites impostos pelo quotidiano. Esta liberdade concedida ao cronista resulta numa visão subjetiva da realidade. Apesar da brevidade que caracteriza a crónica – imposta pelo suporte que a veicula – e do estigma que desde sempre a acompanhou e que a levou a ser tida como marginal ou periférica relativamente ao fazer literário, a linguagem usada não se fica pela simplicidade, contrariamente ao que se poderia supor. Valter Hugo Mãe, enquanto cronista, adota um lirismo que o faz transformar o caráter circunstancial dos fait-divers do dia a dia numa reflexão emotiva e racional. Quando falamos de crónica literária e da sua relação com as artes, não podemos deixar de relevar a possibilidade que a escrita literária tem de figurar, o que lhe permite originais verbalizações. O escritor acede assim a outras possibilidades de identidades que favorecem a sua perceção do mundo que o rodeia e de si próprio. O texto resultante da confluência das diversas artes torna-se um instrumento dessa aproximação e deverá ser entendido como tal. O nosso propósito ao conceber o presente artigo não se prendeu com uma análise exaustiva de todos os textos de Valter Hugo Mãe que têm uma ligação íntima com um qualquer exercício ekphrástico, mas apenas com uma tentativa de exemplificar a mestria do autor ao enveredar por este caminho. Deste modo, os documentos analisados resultaram de uma seleção que se fundou em questões de gosto pessoal, tendo em conta a especificidade do trabalho que não permite uma análise mais prolongada de outros textos. Este estudo, ao convocar uma tradição poética e reflexiva largamente difundida nos países anglo-saxónicos, possibilita uma tomada de consciência de que a ékphrasis começa a atrair cada vez mais escritores portugueses que ensaiam, com mestria, este exercício, produzindo verdadeiras obras de arte como as que encontramos em Valter Hugo Mãe, autor multifacetado em cuja obra não faltam motivos para o considerarmos um dos maiores escritores contemporâneos.
Original language | Portuguese |
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Title of host publication | Nenhuma Palavra É Exata |
Subtitle of host publication | Estudos sobre a Obra de Valter Hugo Mãe |
Editors | Carlos Nogueira |
Place of Publication | Porto |
Publisher | Porto Editora |
Pages | 461-474 |
Number of pages | 13 |
ISBN (Print) | 9789720048875 |
Publication status | Published - 2016 |
Keywords
- Pós-modernismo
- Ékphrasis
- Crónica literária
- Representação do real
- Arte