Uma breve panorâmica da música sacra em Portugal nas décadas de 1720 e 1730

A obtenção da bula áurea que em 7 de Novembro de 1716 criou a Patriarcal de Lisboa foi o primeiro marco significativo de um longo, complexo e ambicioso programa político e cultural arquitectado por D. João V com o objectivo de devolver o Reino à cena internacional, levá-lo à modernidade e, ao mesmo tempo, legitimar o poder absoluto da Coroa portuguesa. A aquiescência e o favor diplomático de Roma conduziram em Lisboa a um processo de romanização, ou seja, a um processo de assimilação e adaptação de modelos romanos. Um tal processo não consistiu, porém, na simples transplantação de produtos e práticas culturais do centro para a periferia. Foi antes um processo dinâmico de negociação visivelmente enraizado em formas emergentes de consciência histórica e na emulação cultural. No campo da música ocorreram, em consequência, mudanças significativas, particularmente ao nível da constituição dos repertórios, dos modelos compositivos e das práticas de execução. Examina-se aqui sumariamente o contexto deste processo e, recorrendo a obras exemplares de João Rodrigues Esteves e Francisco António de Almeida, procura-se também compreender como é que os compositores que trabalharam para a Patriarcal nas décadas de 1720 e 1730 entenderam os repertórios e os estilos antigos, como é que os processaram por forma a vertê-los em composições novas e como é que os distinguiram do seu próprio estilo moderno italianizado.