Abstract
Programas e outros documentos normativos são produtos datados, que guardam frequentemente marcas de orientações teóricas também elas datadas: projetam-se por vezes como novidade, apagando contributos anteriores, com relevância atestada; outras vezes, sobretudo quando vistas sequencialmente, podem aparecer como abordagens concorrenciais ou, pelo menos, insuficientemente articuladas. É o que se tem verificado na forma como algumas noções da área da linguística do texto e do discurso se instalaram nos programas de português – como a seguir brevemente se evidencia (independentemente de outros méritos ou deméritos dos programas em causa).
Assim, o anterior programa do ensino secundário (Coelho et al., 2001) assumia como conteúdos declarativos as noções de tipologia textual e de protótipos textuais, fazendo-asm conviver, no entanto, com categorias, ou classes, relativamente indeterminadas ou ambíguas (como sejam, por exemplo, os casos de “textos expositivo-argumentativos”, “textos informativos” ou “textos líricos”). No mesmo programa, a noção de modo (no sentido de modo literário, ou modo enunciativo) aparece pontualmente associada à de género: nos conteúdos de Leitura – 10º ano, em “Textos expressivos e criativos”, e a propósito dos poetas do séc. XX, fala-se de “modos/géneros líricos”; em “Textos narrativos e descritivos”, a propósito de contos/novelas de literatura portuguesa/literaturas de língua portuguesa/literatura universal, fala-se de “modo/género”.
No programa do ensino básico datado de 2009 (Reis et al., 2009), a noção de género textual aparece associada a (mas não claramente diferenciada de) tipologias textuais (cf. Descritor de desempenho “Identificar e caracterizar as diferentes tipologias e géneros textuais”, em Leitura – 3º ciclo, “Ler para construir conhecimento(s)”); mas também ocorre no sentido específico de género (e subgénero) literário, em articulação com modo (literário): - Leitura – 3º ciclo, Ler textos literários: descritor de desempenho – “Caracterizar os diferentes modos e géneros literários”; conteúdos: “Géneros e subgéneros literários dos modos narrativo, lírico e dramático”; - Conhecimento explícito da língua – 3º ciclo, Plano discursivo e textual: descritor de desempenho – “Caracterizar os diferentes géneros e subgéneros literários e respetiva especificidade semântica, linguística e pragmatic”; conteúdos - “Modo narrativo, modo lírico e modo dramático”.
Os programas atualmente em vigor (Buescu et al. 2014 e 2015) distanciam-se claramente de questões de tipologia textual, dando destaque à noção de géneros de texto. No caso do ensino secundário (Buescu et al., 2014), os géneros de texto são quase exclusivamente associados aos domínios da leitura, da escrita e da oralidade, apagando-se assim, praticamente, a clássica noção de género literário – a par da ausência, também, de qualquer referência a modo (modo literário ou modo enunciativo). Pelo contrário, no Programa e Metas do Ensino Básico (Buescu et al., 2015), há referência explícita a géneros literários (a par, por exemplo, de géneros escolares) e ocorre a questão dos modos na Educação Literária do 6º ano: - Conteúdos: “Géneros literários: conto e poema (lírico e narrativo); Relação entre partes do texto e estrutura global (modos narrativo e lírico)”; - Meta 18.3: “Relacionar partes do texto (modos narrativo e lírico) com a sua estrutura global”.
O Dicionário terminológico, na entrada Tipologia textual, faz referência à chamada “famosa tripartição de géneros”, a saber “o género lírico, o género épico ou narrativo e o género dramático” – formulação que concorre com a usada na entrada Plano de texto, quando se afirma que “Todo o texto se integra num tipo ou num género textuais – relatório, crónica, notícia, artigo científico, discurso político, conto, poema épico, tragédia, etc. (…)”.
Ainda que não exaustivo, o levantamento que acaba de ser feito permite evidenciar as oscilações, sobreposições e contradições com que se tem visto confrontada a prática docente – no que diz respeito, especificamente, às noções do âmbito da linguística do texto e do discurso que aqui têm vindo a ser evidenciadas. Quem desempenha funções de docência no ensino básico e secundário não faz (necessariamente) investigação mas convirá mesmo assim (ou talvez por isso mesmo) que domine suficientemente a matéria de docência – de forma a poder preservar um trabalho equilibrado através de tendências que se apresentam como dicotómicas e concorrenciais quando podem ser, no mínimo, complementares
É nessa perspetiva que se situa a presente contribuição. Partindo de alguns contributos teóricos tidos como particularmente relevantes (Adam, 2011; Aguiar e Silva, 1983; Genette, 1986; Silva, 2015), procurar-se-á clarificar as noções de género (de texto) e de modo (enunciativo), evidenciando os traços fundamentais que as caracterizam. Sem entrar numa lógica simplista ou de facilitismo, essa focalização naquilo que é essencial quando falamos de géneros e de modos tem por base dois objetivos principais, que se interligam entre si: reforçar a validade didática das noções em causa (Coutinho, 2014; Miranda & Coutinho, 2015) e mostrar como essa didatização pode ser central, numa perspetiva que assuma como imprescindíveis tanto a educação literária como a formação para a vida.
A comunicação organizar-se-á em três momentos: em primeiro lugar, o diagnóstico do problema (que aqui ficou praticamente esboçado); depois, a estabilização das noções, em termos teóricos; finalmente, a exemplificação de casos de didatização, assegurando-se que eles cruzam os âmbitos do literário e não literário.
Original language | Portuguese |
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Publication status | Published - 2017 |
Event | 3.º Encontro "A Linguística na Formação do Professor - das teorias às práticas educativas" - Faculdade de Letrasda Universidade do Porto, Porto, Portugal Duration: 7 Sep 2017 → 8 Sep 2017 |
Conference
Conference | 3.º Encontro "A Linguística na Formação do Professor - das teorias às práticas educativas" |
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Country/Territory | Portugal |
City | Porto |
Period | 7/09/17 → 8/09/17 |