Abstract
Apesar de abordar coisas que à partida não ousaria relacionar com o tema – como dissidências e traços de emancipação – este texto não deixa de ser, de forma irremediável, mas consciente, um ensaio de descrição dos modos como a retratística dialecticamente reflecte e organiza os tipos genéricos que configuram o género feminino nas suas diversas facetas, tal como estão ainda socialmente ordenados no Antigo Regime.
É claro que o equilíbrio entre os vários tipos/capítulos terá algo de, eventualmente, inesperado, pois o relevo dado ao retrato de corte não corresponderá necessariamente ao peso que lhe é normalmente atribuído pela historiografia especializada da época, mas antes ao papel que pensamos lhe está concedido neste enredo que, espreitando já um pouco para por cima da cerca cronológica, olha para a modernidade do século XIX.
Como partimos deste descentramento dos plurais esquemas que regulam e orientam a prática do retrato, deixei-me levar sem grandes resistências pela crença de que, ao descrever as diferentes soluções iconográficas, estava a contar a história mais decisiva da sociedade moderna. Ou seja, que, descrevendo isso, a miríade dos factos do quotidiano é essencial para discernir os novos espaços de actuação, as novas posturas e sensibilidades que transformaram o(s) lugar(es) tradicionalmente ocupado(s) pelas mulheres. Neste sentido, a imagem da mulher requerida pelo retrato visa neste projecto um valor sobretudo relacional (ou contextual), ou seja, o papel da normação imagística não depende somente de qualquer suposta fixação das convenções iconográficas, mas dos papéis dos outros complexos normativos que os contextualizam e determinam. Tais papéis são relativamente diversos, indo desde a moral à hierarquia familiar, desde os protocolos das composturas aos rigores estabelecidos da indumentária, desde as situações sociais juridicamente tuteladas às determinações ético-religiosas, sem deixar de levar em conta ainda as formas de classificar e de hierarquizar. Mas, sabendo, por outro lado, que o arranjo destes complexos e o modo como eles se inter-relacionam é historicamente variável.
Às perguntas «como, onde e em que circunstância a mulher do século XVIII é retratada», ainda que de forma algo brutal e redutora, responderia a qualquer das três com o seguinte enunciado: em conformidade, por um lado, com as prerrogativas de género, e, por outro, com a sua condição social. Mas a questão do retrato é bem mais complexa. Cabe ainda perguntar quem é retratado; que propósitos estão por detrás das suas encomendas; como e porque um esquema cede lugar a outro; o que o retrato mostra e o que, por sua vez, não revela da mulher do seu tempo; que imagens mentais do feminino estão subjacentes aos esquemas iconográficos que visualmente o representam?
É claro que o equilíbrio entre os vários tipos/capítulos terá algo de, eventualmente, inesperado, pois o relevo dado ao retrato de corte não corresponderá necessariamente ao peso que lhe é normalmente atribuído pela historiografia especializada da época, mas antes ao papel que pensamos lhe está concedido neste enredo que, espreitando já um pouco para por cima da cerca cronológica, olha para a modernidade do século XIX.
Como partimos deste descentramento dos plurais esquemas que regulam e orientam a prática do retrato, deixei-me levar sem grandes resistências pela crença de que, ao descrever as diferentes soluções iconográficas, estava a contar a história mais decisiva da sociedade moderna. Ou seja, que, descrevendo isso, a miríade dos factos do quotidiano é essencial para discernir os novos espaços de actuação, as novas posturas e sensibilidades que transformaram o(s) lugar(es) tradicionalmente ocupado(s) pelas mulheres. Neste sentido, a imagem da mulher requerida pelo retrato visa neste projecto um valor sobretudo relacional (ou contextual), ou seja, o papel da normação imagística não depende somente de qualquer suposta fixação das convenções iconográficas, mas dos papéis dos outros complexos normativos que os contextualizam e determinam. Tais papéis são relativamente diversos, indo desde a moral à hierarquia familiar, desde os protocolos das composturas aos rigores estabelecidos da indumentária, desde as situações sociais juridicamente tuteladas às determinações ético-religiosas, sem deixar de levar em conta ainda as formas de classificar e de hierarquizar. Mas, sabendo, por outro lado, que o arranjo destes complexos e o modo como eles se inter-relacionam é historicamente variável.
Às perguntas «como, onde e em que circunstância a mulher do século XVIII é retratada», ainda que de forma algo brutal e redutora, responderia a qualquer das três com o seguinte enunciado: em conformidade, por um lado, com as prerrogativas de género, e, por outro, com a sua condição social. Mas a questão do retrato é bem mais complexa. Cabe ainda perguntar quem é retratado; que propósitos estão por detrás das suas encomendas; como e porque um esquema cede lugar a outro; o que o retrato mostra e o que, por sua vez, não revela da mulher do seu tempo; que imagens mentais do feminino estão subjacentes aos esquemas iconográficos que visualmente o representam?
Original language | Portuguese |
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Place of Publication | Lisbon |
Publisher | Ela por Ela |
Number of pages | 104 |
Volume | 1 |
ISBN (Print) | 972-8860-22-6 |
Publication status | Published - 2006 |