Abstract
A violência sexual é uma das dimensões do que se designa violência contra as mulheres. Ao longo dos séculos, o que entendemos por violência e, mais concretamente, por violação tem vindo a metamorfosear-se. Historicamente, o Direito tem sido uma das forças legitimadoras da desigualdade e da apropriação da sexualidade das mulheres por parte de homens em contextos de conjugalidade. Durante séculos, a legislação assegurava a submissão e punição do exercício da sexualidade feminina fora de quadros autorizados. A letra da lei articula-se com a dimensão prática da mesma, a qual, por sua vez, está sujeita a influências doutrinárias e às crenças individuais de cada julgador/a. Esta investigação traça a história da norma legal da violação no ordenamento jurídico português, identificando as principais influências e tensões que subjazem às opções legislativas bem como as idiossincrasias da aplicação legal da norma. Este trabalho tem três partes não dialogantes entre si. A primeira sintetiza algumas das teorizações acerca da etiologia da violação; a segunda expõe desenvolvidamente a evolução legislativa dos crimes sexuais, a leitura doutrinária destes e a sua aplicação jurisprudencial. Por fim, a terceira parte apresenta o interior das salas de audiência e as representações dos/as magistrados/as acerca dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual. A investigação envolveu uma metodologia tripartida entre a análise de conteúdo da produção legislativa, jurisprudencial e doutrinária, a observação etnográfica de julgamentos e as entrevistas a magistrados/as. Os resultados revelam a preferência legal por termos indeterminados, o que contribui para uma produção de justiça centrada em correntes doutrinárias e jurisprudenciais instáveis e, mesmo, opostas. Esta escolha tem como consequência uma justiça desigual e a exclusão da arena judicial de algumas formas de interação sexual não desejadas e não consentidas. Os resultados apurados revelam que os discursos judiciais sobre a violência sexual instituem escalas hierarquizadas sobre os atos sexuais e sobre as personagens que neles participam. A violação é descrita com recurso a narrativas próximas da pornografia, tendo como efeito a trivialização ou a neutralização da violência imposta às vítimas. Assim, seria desejável uma maior uniformização da jurisprudência, através da definição legal ou jurisprudencial dos conceitos vagos, bem como o abandono das estratégias linguísticas que hipersexualizam as experiências das vítimas.
Original language | Portuguese |
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Qualification | Doctor of Philosophy |
Supervisors/Advisors |
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Award date | 2 May 2016 |
Publication status | Published - 2016 |
Keywords
- Mulheres
- Sexualidade
- Violência Sexual
- Violação
- Poder judicial
- Direito