Literacia do trajar e performance na apresentação pública da Infanta Maria de Portugal (1521-1577)

Este texto insere-se na investigação que temos em curso sobre o traje e os aspetos relacionados com a exibição do corpo vestido na corte portuguesa no período inaugurado pela ascensão de Manuel I (1469–1521) ao trono (1495) e a mudança de dinastia (1581) com o rei Habsburgo, Filipe II (1527–1598), filho de Isabel de Portugal (1503–1539), irmã mais velha da Infanta Maria. Respondendo ao desafio da comissão científica do colóquio em que foi apresentada, e que tinha por objetivo colocar a ênfase nas distintas formas e estratégias utilizadas pelas mulheres na afirmação da sua imagem e poder, este ensaio relembra a maneira como a Infanta Maria, última filha de Manuel I (nascida escassos seis meses antes da morte precoce do rei) e única de Leonor de Áustria (1498–1558), terceira mulher do monarca, usava o vestuário como dispositivos para a criação de uma imagem de poder. Se é certo que o vestuário, a mestria técnica implicada na sua confeção e as especificidades que o caraterizavam faziam parte do abrangente leque de conhecimentos e competências dominadas pelos cortesãos quinhentistas, homens e mulheres, os estudos críticos têm-se debruçado pouco sobre, por um lado, a análise das formas de transmissão/aquisição desse conhecimento e, por outro, sobre a roupa não sumptuária, a roupa que recorria a materiais e técnicas menos sofisticadas e que também tinha lugar no guarda-roupa moderno da família régia e dos aristocratas.
Recorrendo à documentação das encomendas de roupa para a Infanta, especificamente de um excecional conjunto de treze documentos datados de 1535, ensaiam-se respostas para as questões que surgiram da análise dos mesmos: como aprendiam as mulheres a saber o que era adequado vestir em cada situação? Como adquiriam as competências para identificar materiais, técnicas e moldes de corte para fazer as encomendas? Como se vestiam as mulheres no quotidiano, quando não tinham atos públicos que implicassem compor uma imagem que transmitisse poder e estatuto?