Estar a Vinf em Português Europeu Contemporâneo: Valores de Tempo, Aspeto e Modo

Research output: Chapter in Book/Report/Conference proceedingConference contributionpeer-review

Abstract

A descrição do funcionamento das perífrases verbais nas línguas em que ocorrem pode centrar-se quer numa análise que incida sobre as suas propriedades categorialmente relevantes para uma dada língua (c.f., e.o., Campos 1997, Oliveira 2003, Cunha 2013 (para o português), Torrego 1999 (para o espanhol), ou, contrastivamente, para línguas diferentes (Squartini 1998, Laca 2005, Lachaux 2005, e.o.), quer nas diferentes deformabilidades que uma dada construção pode evidenciar numa língua específica (Franckel 1989, Brocardo & Correia 2012, Alzamora 2018). É objetivo central deste trabalho descrever e analisar os diferentes valores da perífrase estar a Vinf em português europeu contemporâneo (PEC), discutindo-se algumas hipóteses que ajudem a compreender de que forma esta construção pode assumir valores de natureza diferente, de acordo com as interrelações que se estabelecem entre as diferentes formas que a integram (como a tipologia de predicadores ou a quantificação dos argumentos) e explicar – a partir de uma deformabilidade observável resultante do agenciamento de formas – qual a estabilidade que lhe está associada. A heterogeneidade de valores desencadeados pelas diferentes ocorrências de estar a Vinf pode ser, assim, estabilizada a partir de uma análise centrada numa abordagem transcategorial, tendo em conta a interrelação e a interdependência que as diferentes categorias gramaticais como o Tempo, o Aspeto e a Modalidade manifestam. Assim, a descrição de estar a Vinf mostra que as diferentes ocorrências linguísticas são interdependentes e é da sua articulação que resulta a construção da significação (e.o., Culioli 1990; 1999). A partir do levantamento de diferentes ocorrências desta perífrase em PEC, (a partir da recolha de dados atestados em corpora - corpus de referência do português, CETEM PUBLICO, e.o., ou através de exemplos construídos) e tendo em conta relações contrastivas com os funcionamentos de perífrases ‘aproximadas’ em outras línguas românicas (sobretudo a partir Squartini 1998) pode, então, verificar-se que, regra geral, lhe estão associados quer um valor de sobreposição temporal - quando estar ocorre no presente do indicativo – entre o tempo do acontecimento linguístico e o tempo da enunciação, quer um valor aspetual de continuidade, não télico, quando estar ocorre no presente do indicativo e no imperfeito do indicativo, como se pode verificar em sequências como X está/va a cantar (uma canção) / X está/va a ler (os Maias) / X está/va a correr / X está/va a trabalhar No entanto, a deformabilidade resultante de estar a Vinf pode ainda observar-se em configurações em que o Vinf é um verbo estativo, cujo predicador tem uma leitura transitória (X está/va a ser simpático), ou quando é um ponto (soluçar, espirrar, ...). Nestes casos, as configurações são interpretadas como processos, desencadeando-se uma leitura iterativa. Já quando o Vinf é inerentemente télico (como chegar / partir / cair /...) a perífrase estar a Vinf pode desencadear uma leitura temporalmente distinta, como se pode observar em (i) Não te vás embora que o Paulo está a chegar. (ii) O comboio está a partir. Corre que talvez ainda o apanhes. (iii) Cuidado! Olha que o teu brinco está a cair. Nestes três exemplos, o valor de sobreposição temporal dá lugar a um valor temporalmente distinto – o de ‘futuro iminente’. É importante referir que, quando se gera este valor, é ainda desencadeado um valor modal (de natureza teleonómica), que reforça a leitura temporal referida acima. Parece, assim, possível afirmar-se que, quando estar a Vinf assume este valor temporal, o seu funcionamento pode ser explicado com base nas propriedades dos predicadores que integram a perífrase, relevando-se, por um lado, as suas propriedades topológicas e, por outro, as suas propriedades deíticas. Assim, topologicamente, os diferentes valores que lhe estão associados resultam da delimitação e da estruturação do domínio de validação da noção associada ao infinitivo, permitindo localizar a relação predicativa no interior do domínio, ou situar as ocorrências da noção numa zona IE (zona Interior/Exterior), sendo as ocorrências, neste caso, construídas como validáveis. As propriedades deíticas, por sua vez, permitem a ancoragem ao espaço/tempo da enunciação (chegar aqui-agora / partir daqui-agora) das diferentes situações construídas. Por outro lado, as propriedades brevemente aqui referidas e a heterogeneidade de valores que a perífrase exibe em PEC permitem evidenciar o seu estatuto híbrido, já que pode ser entendida quer como ocorrência de natureza gramatical (quando existe a manifestação do valor aspetual cursivo e do valor temporal de sobreposição), quer como uma ocorrência de natureza lexical (i.e., quando torna saliente o valor aspetual de iteratividade ou o valor temporal de 'futuro iminente'). A análise que se propõe nesta apresentação visa, assim, pôr em evidência que a natureza semântica heterogénea desta construção decorre da interdependência e deformabilidade das formas que a integram, da interação que estabelece com diferentes classes aspetuais de predicadores verbais, bem como da deformabilidade da própria construção desencadeada pelas configurações em que ocorre. Por esta razão, julga-se que uma análise adequada de construções como as que caracterizam as perífrases verbais deverá, necessariamente, assentar numa análise que ative uma descrição sintática e uma descrição semântica. Este argumento pode ainda ser reforçado atendendo ao suporte teórico que enquadra esta análise. Os pressupostos da Teoria Formal Enunciativa (cf. e.o. Culioli 1990, 1999), definem um trabalho em que se ativa um conjunto de princípios, devendo ser aqui destacado o que define a interrelação necessária entre os diferentes módulos da gramática, dando-se especial relevo à interação entre a sintaxe e a semântica na descrição (e explicação) do funcionamento das formas e das construções das línguas naturais. Estes argumentos parecem ajudar a entender a inclusão deste trabalho no âmbito da secção – Sintaxe – em que se inscreve.
Original languagePortuguese
Title of host publicationActes du XXIXe Congrès International de Linguistique et de Philologie Romane
EditorsLene Schosler, Juhani Härmä
Place of PublicationStrasbourg
PublisherEditions de Linguistique et de Philologie
Pages367-378
Number of pages11
ISBN (Print)978-2-37276-051-5
Publication statusPublished - 2021
EventXXIXe Congres International De Linguistique Et De Philologie Romanes - Copenhague, Denmark
Duration: 1 Jul 20196 Jul 2019

Conference

ConferenceXXIXe Congres International De Linguistique Et De Philologie Romanes
Country/TerritoryDenmark
CityCopenhague
Period1/07/196/07/19

Cite this