Comunicação e Governância de Risco: comparação dos casos do sismo de L’Aquila e triplo risco do Japão

Research output: Contribution to conferenceAbstractpeer-review

Abstract

Viver na sociedade de risco é um desafio que envolve participação, comunicação e capacitação do coletivo face às ameaças que inesperadamente invadem de forma crescente as rotinas das organizações sociais.

O conceito de risco tem acompanhado a evolução das sociedades humanas desde a sociedade primitiva para a agrícola, a industrial, e presentemente até à sociedade do conhecimento. O sociólogo Ulrich Beck (2008), afirma que atualmente vivemos numa “sociedade de risco”. Esta sociedade de risco surge de diversos fatores que tornaram mais complexa a abordagem da envolvente, do habitat do ser humano. “Estar em risco é a maneira de ser e de governar no mundo da modernidade; estar em risco global é a condição humana no início do séc. XXI” (Beck, 2008). A crescente tomada de consciência dos problemas ambientais a partir da 2ª metade do século XX, aliada à ocorrência de eventos catastróficos transfronteira associados a fenómenos de poluição, introduziu novos desafios às comunidades e aos governos. Não pode ficar só assim -aos governos. Os acidentes naturais ou de origem humana revelaram assim características de difícil racionalização, controlo e gestão apresentando os riscos uma natureza global, “complexa, incerta e ambígua” (Renn, 2012).

Adicionalmente, a perceção do risco é distinta para cientistas, decisores ou leigos, tornando complexa a sua comunicação e governância, podendo ser atribuída aos sentimentos que temos associados aos riscos. Slovic (2010) refere que “os sentimentos intuitivos são o método predominante pelo qual os seres humanos avaliam o risco”. Sandman (1993) adiciona a componente de ultraje à equação de risco, identificando doze destas componentes. A dicotomia sentimento versus racionalidade está na base de diferentes perceções e fortes convicções acerca da forma como diferentes pessoas, profissionais e decisores encaram e lidam com o risco condicionando a sua preparação e comportamentos de prevenção e de resposta face a situações de catástrofe.

Diferentes disciplinas e áreas científicas têm também abordagens distintas ao risco. Como resultado de diferentes conceções, perceções, metodologias e áreas de investigação, encontram-se na literatura inúmeras definições de risco que tornam ainda mais incerta a sua abordagem, gestão e controlo.

A investigação parte do pressuposto que os mecanismos de comunicação e de governância do risco constituem um instrumento de apoio para lidar responsavelmente com o risco facilitando a sua gestão. Curiosamente, até países ditos desenvolvidos e considerados mais preparados para situações de risco têm tido dificuldades em responder efetivamente e atempadamente a fenómenos inesperados. Neste poster analisam-se dois casos de estudo, selecionados por serem paradigmáticos, e procede-se a uma comparação sistemática para caracterizar, identificar as falhas e extrair lições para futuras situações de risco.

A metodologia suporta-se na análise comparativa dos casos de estudo, o sismo de L’Aquila ocorrido em 2009 e o triplo acidente do Japão em 2011, que incluiu sismo, seguido de tsunami e de acidente nuclear. Para tal, procedeu-se a uma análise de literatura científica, de relatórios oficiais, de publicações na comunicação social, discursos políticos, entrevistas e visualização de filmes e vídeos. Foi desenvolvida uma grelha de avaliação ao nível da descrição das principais características do evento, consequências significativas, comunicação de risco e governância de risco.

Os resultados obtidos revelam algumas similaridades, nomeadamente, nas falhas da comunicação de risco e a ausência de uma eficaz governância. No caso do Japão, grande parte das vítimas são idosos, revelando a maior vulnerabilidade ao risco desta faixa etária da população, denunciando a falta de preparação para a resposta à emergência de uma sociedade desenvolvida com prestígio na cultura de segurança da comunidade (Kazama, 2012, p.781). Em ambos os casos de estudo, identificaram-se falhas na comunicação de risco: comunicação omissa, incompleta, tardia, pouco clara, contraditória (Figueroa, 2013, p. 54; Alexander, 2014, p.1). Em ambos os casos as autoridades são acusadas formalmente no caso de L’Aquila, e pela generalidade da população no caso do Japão, de uma comunicação de falsa segurança, levando as populações a tomarem medidas que foram fatais em Itália e que no Japão causaram uma perda de confiança generalizada nas autoridades, cientistas e empresários (Figueroa, 2013, p. 58; Ropeik, 2011).

Os resultados revelam também uma relutância por parte das entidades oficiais em comunicar entre si e em comunicar ao cidadão o pior caso cenário. Na ciência, é identificada uma lacuna nas metodologias de análise e avaliação de risco que se demonstraram incapazes de avaliar cientificamente os piores cenários (Figueroa, 2013, p. 56).

Ao nível da governância, e em ambos os casos de estudo, os resultados revelam conflito de interesses entre entidades oficiais, ciência e empresas. No caso de L’Aquila, é identificada a “proximidade” entre empresas de construção, códigos de construção, a classificação de risco da cidade e a influência/ pressão de governantes sobre cientistas e autoridades de proteção civil (Alexander, 2014, p. 8). No caso do Japão identifica-se as relações de poder entre autoridades governamentais, dirigentes de empresas de produção de energia e cientistas; a comunicação foi também influenciada por pressão de decisores (Mantale, 2011, p.838).

As dimensões das consequências do desenrolar destes dois casos de estudo são globais, nas vertentes da ciência, da economia e da política/ governação. No caso de estudo de L’Aquila o julgamento e sentença de “homicídio involuntário” de seis cientistas e um responsável da proteção civil são inéditos no mundo e causaram intensos protestos e polémica internacional generalizada na comunidade científica. O caso de estudo do Japão, em especial consequência do acidente nuclear, originou um debate significativo sobre a política energética nuclear tendo alguns países tomado decisões de excluir a opção pelo nuclear para a produção de energia elétrica.

As reflexões associadas à discussão destes dois casos permitem concluir que é importante e necessário envolver todos os stakeholders, com especial atenção aos cidadãos, num diálogo de construção do conhecimento coletivo acerca do risco criando estruturas e espaços de partilha para esse efeito e a aprendizagem e prática do uso de informação e conhecimento de forma a aumentar a capacitação das pessoas para lidarem construtivamente com os riscos e amplificando a sua capacidade para protegerem as suas vidas. Identifica-se a necessidade de se desenvolver uma metodologia de comunicação e governância de risco, baseada na partilha de informação entre cientistas, legisladores, responsáveis/ decisores e cidadão, que permita e promova uma construção do conhecimento coletivo contribuindo simultaneamente para a construção de sociedades mais democráticas no sentido em que envolve reflexões, debates, deliberações, consensos e/ ou compromissos incorporando opiniões e tomando decisões do e pelo coletivo que ativamente influencia a tomada de decisão.

A não preparação para o inesperado e falhas de comunicação ao nível da estrutura hierárquica de resposta à emergência são também uma revelação de que, face a uma catástrofe, os cidadãos são os primeiros agentes de proteção civil e que a informação, preparação e treino são as verdadeiras salvaguardas e medidas de primeira intervenção que se revelam como decisivas na conservação da vida humana.
Original languagePortuguese
Publication statusPublished - 2015
EventXVII Encontro da Rede de Estudos Ambientais em Países de Língua Portuguesa - Universidade de Cabo Verde e Hotel Vulcão, Cidade Velha, Cape Verde
Duration: 9 Sept 201512 Sept 2015

Conference

ConferenceXVII Encontro da Rede de Estudos Ambientais em Países de Língua Portuguesa
Country/TerritoryCape Verde
CityCidade Velha
Period9/09/1512/09/15

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