«Artes e Letras» do ABC, Diário de Angola como laboratório identitário: debates literários e dinâmicas de relacionamento intercultural

A presente comunicação pretende abordar o processo de afirmação das literaturas nacionais em Angola e Moçambique entre 1961 e 1974, através da análise de artigos e ensaios publicados no «Artes e Letras», página literária semanal do jornal ABC, Diário de Angola. As tensões próprias de um período histórico – o da Guerra Colonial ou Guerra de Libertação – caracterizado por profundas e repentinas mudanças, no âmbito sócio-cultural, são acompanhadas por um debate a nível artístico-literário que, se muito tem de político, não
pode, ao mesmo tempo, ser reduzido a esse comum denominador. O gosto pelo tribal, o rural e o realismo, de facto, refletem em parte o gosto da época, no filão dos neorrealismos português e brasileiro e, geralmente, das correntes artísticas do segundo pós-guerra. Necessariamente, a literatura de caráter realista produzida nos territórios do então chamado “Ultramar Português” acabará por entrar em choque com o pensamento oficial promovido pelo regime, manifesto sobretudo na apropriação da tese do Luso-tropicalismo de Gilberto Freyre.
Notáveis são, a este propósito, os debates sobre a literatura angolana, entre os quais destacamos aqueles entre Eugénio Ferreira e os dois editores da Coleção Imbondeiro e da coletânea Contos d’África, Leonel Cosme e Garibaldino de Andrade, assim como as polémicas relacionadas com a atribuição do Prémio da Sociedade Portuguesa de Escritores (SPE) a Luanda, de Luandino Vieira. Muitos dos jovens poetas e contistas cujas obras foram publicadas no «Artes e Letras» participaram no ambiente cultural da Comunidade de Estados Independentes CEI, em Lisboa, testemunha das dinâmicas interculturais próprias da época de
nosso interesse.