Argumentos em desfavor da formação de verbos parassintéticos em a-X-ar e en-X-ar

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Abstract

A formação de verbos em português já foi objeto de análise por parte de alguns autores, nomeadamente por Rio-Torto (1994, 1998, 2004 e 2008), Pereira (2000 e 2007) e Coelho (2003), embora nestes estudos tenha sido adotada uma perspetiva eminentemente sincrónica, o que se revela por vezes insuficiente para darmos conta de alguns aspetos que tenham ocorrido na passagem do latim para o português e/ou de algumas mudanças inerentes ao português.
Neste trabalho, numa primeira parte, será feita uma breve revisão da literatura sobre parassíntese, processo que tem sido descrito e discutido amplamente, a propósito das línguas românicas (veja-se, a título meramente ilustrativo, os trabalhos de Corbin (1980, 1987), Serrano-Dolader (1995, 2012, 2015) e Iacobini (2004)). No que diz respeito ao português, partindo-se da descrição que é feita deste processo nas gramáticas históricas que tratam a formação de palavras, confrontar-se-á posteriormente a abordagem tradicional (cf. Darmesteter 1875: 73-116) com análises mais recentes.
Tal como apontado por Guevara (2007: 6), o conceito de ramificação binária em morfologia está por demais enraizado, precedendo mesmo alguns estudos sobre sintaxe tidos como de referência. Por exemplo, segundo Aronoff (1976: 63) "the morphophonological operation is phonologically unique", i.e. um afixo uma regra, excluindo-se, portanto, as estruturas ternárias. Mais tarde, de forma explícita, Scalise (19862: 206) defende uma estrutura binária "in two steps: first suffixation creates a possible, though not necessarily existent word, and second, prefixation generates the rest of the form", o que corresponderá a um esquema do tipo [Pref + [X + Suf]V]V em que o prefixo se solda a uma base já derivada por sufixação, ou seja, em que temos duas etapas distintas. Destes e de outros trabalhos de morfologia generativa se conclui que o conceito de parassíntese não existe enquanto tal nesse modelo teórico. Esta posição que tantas críticas recebeu, sobretudo por parte dos linguistas históricos, poderá ser, contudo, corroborada com base nos dados a analisar, os quais integram o Corpus Informatizado do Português Medieval (disponível em http://cipm.fcsh.unl.pt), desenvolvido no âmbito do Centro de Linguística da Universidade Nova de Lisboa.
As hipóteses que procuraremos explorar visam determinar se:
i) o prefixo a- de origem latina terá sofrido um enfraquecimento semântico e, por isso, ocorrem no português medieval verbos não prefixados sinónimos de outros que o serão.
Partindo do princípio de que todo e qualquer afixo é portador de significado, discutir-se-á a ocorrência de verbos com e sem prefixo (exs. alimpar / limpar) e de formas verbais em contextos aparentemente comutáveis, em que o mesmo verbo se faz acompanhar de prefixos diferentes (cf., os exemplos do século XV: "nunca comecei cousa que nom acimasse a mĩa honra" / "Se nom quis as tribulaçoões dos seus christaãos scuytar. Se lhes nom quis aas fraquezas das almas encimar").
ii) o elemento inicial de verbos como acimar e encimar resulta da acoplagem de uma forma preposicional à esquerda. Neste caso, o a- e o en- iniciais serão "reminiscências" das preposições que ocorriam antes do verbo no infinitivo, as quais, por reanálise, foram (re)interpretadas como prefixos, ou, no seguimento daquilo que Lass (1997: 316) designa por 'exaptation', tratar-se-á de um tipo de renovação conceptual, recorrendo a material já existente, mas servindo para uma outra função?
Procurando conciliar uma perspetiva sincrónica que dê conta das relações formais e semânticas entre palavras morfologicamente complexas com uma análise dos dados de épocas mais remotas, espera-se, deste modo, poder contribuir para uma reflexão que forneça alguns argumentos para o avanço dos estudos em formação de palavras do português.
Original languagePortuguese
Title of host publicationActes du XXIXe Congrès International de Linguistique et de Philologie Romane
EditorsLene Schosler, Juhani Härmä
Place of PublicationStrasbourg
PublisherEditions de Linguistique et de Philologie
Pages299-310
Number of pages11
ISBN (Print)978-2-37276-051-5
Publication statusPublished - 2021
EventXXIXe Congres International De Linguistique Et De Philologie Romanes - Copenhague, Denmark
Duration: 1 Jul 20196 Jul 2019

Conference

ConferenceXXIXe Congres International De Linguistique Et De Philologie Romanes
Country/TerritoryDenmark
CityCopenhague
Period1/07/196/07/19

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