A fotografia na produção do espaço e outras imagens. Investigação sobre o imaginário das vistas de cima na cultura visual ocidental

Research output: ThesisDoctoral Thesis

Abstract

Esta investigação é sobre a mediação visual do espaço. Nesta pesquisa proponho um percurso através do imaginário das vistas de cima, com o intuito de traçar a genealogia das fotografias aéreas e da sua recente utilização nos softwares dos globos virtuais. Em poucos anos, estas aplicações informáticas parecem estar a intensificar a nossa capacidade de habitar lugares onde, muito provavelmente, nunca iremos fisicamente. Este objectivo integra-se numa mais vasta problemática acerca das relações entre o espaço e as imagens. Numa perspectiva menos preocupada com os aspectos formais internos da composição do espaço interior às imagens e suas diferentes estéticas, beneficia-se uma abordagem cultural que as concebe enquanto práticas, questionando, neste contexto, a sua dimensão de práticas do espaço, como formas de produção do espaço, no interior de um complexo conjunto de mediações que o constituem historicamente. Segue-se de perto as abordagens de alguns autores da crítica do espaço que produziram os seus trabalhos desde os anos 60 e que aqui traremos para pensar a fotografia e a formulação das suas identidades. Dá-se particular atenção aos regimes visuais que a fotografia ajudará a constituir e às lógicas espaciais que promoveu, bem como às resistências que introduz. As utilizações cartográficas surgem como emblemáticas do espaço homogéneo moderno, sinónimo de «espaço fotográfico» e dos poderes de um olhar distanciado, um olhar apolíneo. Ao traçar a história e a génese do ponto de vista de cima fomos ao encontro das origens míticas do espaço e das divisões ancestrais entre céu e terra, deuses e homens. Mas nesse percurso constata-se que as imagens que efectivamente apresentam pontos de vista de cima são raras, sendo os mapas dos exemplos mais antigos. Este ponto de vista, específico do imaginário pois escapa às dimensões do nosso corpo e da nossa experiência, surge nas imagens de forma mais generalizada a partir do século XVI e corresponde a uma viragem decisiva na concepção das imagens e da cultura ocidentais. Desde aí, as imagens e a linguagem, enquanto representações do mundo, instituem a figura do sujeito como espectador, transformando o mundo num conjunto de quadros, infinito. As imagens que tinham a sua fundamentação no sobrenatural passam a ter a sua fundamentação no empírico, tanto visível como invisível, e o seu programa torna-se um programa de controlo das empiricidades, no contexto das sociedades europeias em expansão territorial e do início da globalização. Este programa das imagens ainda hoje prossegue sob modalidades diversas. Desde o século XVI, surgem «vistas» de cidades, mapas em perspectiva, pinturas cartográficas e outros géneros de paisagens que demonstram não ser nenhuma razão tecnológica, mas cultural, que explica estas imagens, uma vez que elas existem muito antes dos aviões e da fotografia, que contudo vão naturalizar e modificar essa visão. Isto significa que a fotografia, centrada no objecto e na objectualidade em virtude das suas características específicas, produz igualmente um regime de afecção e de memória, de intimidade com o objecto, completamente transformado numa visão subjectiva. Ao interrogarmos a história da fotografia «do ponto de vista do espaço» encontramos uma parte importante da sua identidade e da construção do espaço abstracto moderno, mas também da sua ultrapassagem. A fotografia surge de um «desejo» que é um «desejo de paisagem», o desejo de apropriar o mundo numa imagem: «Thank you very much for sending me such beautiful shadows!»1

This research is about the visual mediation of space. In this research I propose an encounter with the imaginary of the views from above in order to trace a genealogy of aerial photography and its recent use by virtual globe softwares. In just few years, these applications seam to have been increasing our capacity of inhabiting places that, most probably, we will never visit physically. This goal is part of a larger questioning about the relations between space and images, in an approach less concerned with formal issues such as of image space composition and its different aesthetics, rather than the question of image practices as social space practices, ways of space production through multiple mediations, namely visual mediations. We follow closely some of the authors of the critique of space who published their works since the 1960’s. We bring their contributions to think photography in the production of space and its own identity as a medium, through a cultural perspective, aiming to understand the diverse visual regimes, as well as resistances and deviations that «automatic images» can easily bring along. Cartographic uses are emblematic of modern homogeneous space, a «photographic space» with the powers of a distant gaze, like the one of Apollo’s. By tracing the history and genealogy of the point of view from above we were confronted with the mythical origins of space and its ancestral divisions of «sky» and «earth», God’s place and human’s place. But in that path we noticed that, before modernity, there seem to be effectively few images which represent things viewed from above, maps being the most ancient examples. This point of view is specific to the imaginary as it escapes from our corporeal dimensions and experience. It clearly appears in images only since the XVI century, which corresponds to a decisive turn in image and cultural conceptions. Images and language, as representations of the world, create the subject as spectator, transforming the world into an infinite assemblage of frames. Images that once had their foundation in the supernatural begin to be founded in the empirical world, in the visible as much as in the material invisible, and their program becomes the surveillance of empirical world, in the context of the territorial expansion of European societies and the start of globalization. This program is still operating today through diverse modalities. At that time, city views, perspective maps, cartographic paintings and other forms of landscapes appear which proves that it is not a technological reason, but a cultural one, that explains these views, as they exist much before airplanes and photography. However, these will contribute to its naturalization and change. This means that photography, although centred in the object due to its features, in figurative uses, produces a visual regime based on affection and memory, in a subjective way. It produces an intimacy with the object completely transformed into a vision. As we address photographic history «through the point of view of space» we find a significant part of its identity and that of the construction of modern abstract space. As well as elements of its overcoming. Photography emerges out of a «desire of landscape», the desire of possessing the world through its image: «Thank you very much for sending me such beautiful shadows!»2
Original languagePortuguese
QualificationDoctor of Philosophy
Awarding Institution
  • Universidade NOVA de Lisboa
Supervisors/Advisors
  • Miranda, José Bragança de , Supervisor
Award date8 Oct 2010
Publication statusPublished - 2009

Cite this