Caminhos literários no momento em que começamos a celebrar os 50 anos do 25 de abril de 1974

Press/Media: Research

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Caminhos Literários no momento em que começamos a celebrar os 50 anos do 25 de Abril de 1974

 

Margarida Rendeiro

CHAM, FCSH-NOVA Lisboa 1069-061 Lisboa e Universidade Lusíada de Lisboa

 

No balanço da primeira década de literatura portuguesa publicada depois do 25 de abril de 1974, escrito para a Colóquio-Letras, Eduardo Lourenço defendeu que a “geração literária da revolução”  correspondia aos autores portugueses surgidos no panorama literário português depois de 1974; as gerações literárias das décadas anteriores que continuaram a escrever depois de 1974 não podiam ser vistas como parte daqueles novos tempos porque viram sempre a revolução com os “olhos do passado” (1984, p.13-14). Trinta anos mais tarde, Lídia Jorge, uma daquelas novas autoras, publicou Os Memoráveis (2014) que é uma longa reflexão sobre a memória que guardamos da Revolução e uma resposta às inquietudes manifestadas no seu Dia dos Prodígios (1980). Se Dia dos Prodígios interroga o discurso oficial da História, buscando um novo olhar crítico, destacando as vozes dos mais oprimidos e mostrando que a revolução chega a todos e será diferente para cada um, em Os Memoráveis, ao repto lançado por uma busca pela “verdade” da revolução, o leitor é instigado a questionar o legado da memória e a reconhecer-se enquanto parte de uma comunidade. A pós-memória assume uma forma de melancolia, como uma visão de futuro que não deve ficar limitada pelas amarras do passado. Ao atingirmos quase os cinquenta anos de democracia, que visão o romance português nos mostra e que reflexão sobre os caminhos de futuro nos oferece?

Na última década, assistimos a propostas de narrativa muito interessantes em Portugal que refletem uma discussão que se vai colocando no espaço público, à qual a literatura portuguesa não poderia ficar imune. Enquanto, narrativas de autores da década de 80, tais como Lídia Jorge e António Lobo Antunes, discutiram a memória e trauma da guerra colonial e da queda do império português, centrando-os, nas vozes dos ex-combatentes, a partir da última década do século XXI, surgiram narrativas, nomeadamente O Retorno(2012), de Dulce Maria Cardoso e Cadernos de Memórias Coloniais (2015), de Isabela Figueiredo, que retomam as memórias, mas trazem para o centro as vozes de retornados. A discussão pública sobre o passado imperial e colonial tornou-se polifónica e diversa como a sociedade portuguesa o é. Deus-dará(2016), de Alexandra Lucas Coelho, um incontornável romance que expande o âmbito desta reflexão à história comum de Portugal e do Brasil, convoca-nos para que dela resulte um compromisso coletivo perante a memória do que fomos enquanto império colonial e sobre o que queremos celebrar daqui em diante. São narrativas  que nos fazem pensar sobre que Portugal plural e democrático queremos celebrar e empenhar-nos como projeto de futuro.

Um outro sinal desse futuro encontra-se igualmente na revelação de novas vozes africanas e afrodescendentes portuguesas, entre elas Aida Gomes, Djaimilia Pereira de Almeida, Yara Monteiro, e Luísa Semedo. Os Pretos de Pousaflores (2011), Luanda, Lisboa, Paraíso (2018), Essa Dama bate bué (2018) e O Canto da Moreia (2019) são algumas das obras destas novas autoras que narram histórias por contar sobre os herdeiros do império que têm de forjar identidades a partir das ruínas do colonialismo. Recorrendo novamente às palavras de Lourenço, estas novas vozes são a geração literária herdeira da história colonial, a única que pode revelar o peso desta herança, dialogando com a tradição literária, descolonizando-a e mostrando como a literatura contribui para uma reflexão sobre os desafios de futuro que se colocam à sociedade pós-abril.

 

 

 

Period21 Apr 2022

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  • TitleJornal do Fundão
    Degree of recognitionNational
    Media name/outletJornal do Fundão
    Media typePrint
    Country/TerritoryPortugal
    Date21/04/22
    DescriptionDossier JF 25 de Abril, p.12
    PersonsMargarida Rendeiro