Description
De acordo com dados reportados por Oliveira (2023), os últimos anos mostram um crescimento do número de alunos de nacionalidade estrangeira nas escolas portuguesas, encontrando-se matriculados no ensino básico e secundário, em 2021-2022, 86.436 alunos de nacionalidade não portuguesa. Estes alunos representam aproximadamente 9% dos alunos que frequentam o sistema de ensino público do 1.º ao 12.º ano. Para além de um maior número de alunos de nacionalidade estrangeira, observa-se nos últimos anos uma maior diversidade de nacionalidades, cerca de 170, correspondendo a diferentes línguas e variedades linguísticas. Estes estudantes provêm principalmente de países em que se fala uma variedade do português: 48,3% dos alunos são brasileiros e 22% vêm de países africanos em que o português é língua oficial, principalmente Angola, Cabo Verde e Guiné-Bissau (Oliveira, 2023).Há evidência de que alunos que falam variedades do português diferentes do português europeu têm um menor sucesso académico (OCDE, 2022). Por outro lado, recentemente, têm surgido em debate público questões de preconceito linguístico para com estes estudantes (Miranda, 2021). Da parte dos professores, há relatos de dificuldades e preocupações nomeadamente no que se refere à avaliação destes alunos (Henriques, 2022).
A investigação sobre ensino da gramática das últimas décadas tem vido a mostrar a importância da valorização do conhecimento linguístico intuitivo das crianças, proporcionando aos alunos oportunidades para refletir sobre as suas variedades linguísticas (Correia, 2021; Devereaux e Palmer, 2019; Reaser et al., 2017). Considerando a relação entre as conceções dos professores quanto ao ensino da gramática e as suas práticas (Camps & Fontich, 2019; Coelho, 2018; Watson, 2015), há necessidade, face ao contexto atual, de se investigar as conceções dos professores sobre a variação linguística, bem como a sua presença nas práticas de ensino da gramática.
Nesta comunicação, apresentam-se os resultados de um estudo sobre conceções de professores relativamente à variação linguística em sala de aula, no qual se procura caracterizar as conceções predominantes entre professores de diferentes níveis de ensino. Mais concretamente, pretende-se observar eventuais diferenças entre futuros professores e professores em exercício relativamente: (i) ao conhecimento sobre variação linguística, considerando diferentes variedades do português, (ii) ao impacto do uso de diferentes variedades do português em sala de aula, e (iii) às práticas de ensino sobre variação linguística.
O estudo foi levado a cabo em duas etapas, com recurso a diferentes instrumentos e métodos de análise. Numa primeira etapa, procedeu-se à recolha de dados através de questionário junto de 96 participantes, futuros professores (N=56) e professores em exercício (N=40). Complementarmente, numa segunda etapa, realizou-se um “focus group” com entrevista semiestruturada a 7 participantes, futuros professores (N=4) e professores em exercício (N=3). Nesta comunicação, centramo-nos, sobretudo, na primeira etapa do estudo.
Dada a inexistência de um questionário sobre conceções de professores para o contexto português, foi criado um questionário inspirado na proposta de De Angelis (2011). O questionário, testado em contexto de formação com um pequeno grupo de professores e posteriormente sujeito a revisões, inclui duas secções.
A primeira secção contém 27 itens com escala de Likert (1-4), com vista a recolher informação sobre o grau 10 de concordância dos participantes relativamente a afirmações que expressam conceções positivas e negativas sobre (i) conhecimento sobre variação linguística (5 afirmações), (ii) impacto do uso de diferentes variedades do português em sala de aula (11 afirmações), e (iii) práticas de ensino sobre variação linguística (11 afirmações). A segunda secção é constituída por 10 itens de escolha múltipla que visam recolher informação sobre o perfil linguístico dos participantes e a sua experiência profissional.
Para a análise quantitativa das respostas aos questionários, recorreu-se a um teste estatístico (teste de amostras independentes), que permitiu comparar as conceções dos professores em formação com as dos professores em exercício. Considerando globalmente as três dimensões da primeira secção do questionário, verifica-se que as conceções expressas pelos participantes são tendencialmente positivas, não se observando diferenças significativas entre os dois grupos de professores. Contudo, uma análise por item permitiu identificar algumas diferenças nas conceções de uns e outros, em particular quanto ao impacto do uso de diferentes variedades do português em sala de aula (tabela 1) e às práticas de ensino sobre variação linguística (tabela 2), com os futuros professores a expressar, globalmente, crenças mais positivas. No que se refere ao impacto do uso das variedades em sala de aula, por exemplo, os futuros professores discordam mais de afirmações como “É importante que os/as alunos/as que falam as variedades brasileira e africanas do português deixem de falar essa(s) variedade(s) em casa para aprenderem o português europeu” (item 3).
Quanto às práticas de ensino, os professores em exercício expressam maior concordância com afirmações como, por exemplo, “Não é responsabilidade dos/as professores/as dar voz às diferentes variedades do português faladas pelos/as alunos/as, mas ensinar a falar e escrever português europeu corretamente” (item 6).
Em traços gerais, o cenário que emerge aponta predominantemente para conceções positivas face à variação linguística, que são mais evidentes nas intenções declaradas dos futuros docentes. Por outro lado, parece não haver uma prática enraizada de promoção das diferentes variedades do português em sala de aula, o que poderá, em parte, estar relacionado com um conhecimento pouco consolidado sobre essas variedades. Finalmente, note-se que alguns docentes em exercício percecionam que não devem promover práticas pedagógicas inclusivas neste domínio.
Period | 23 Oct 2024 |
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Event title | Encontro Nacional da Associação Portuguesa de Linguística |
Event type | Conference |
Conference number | 40 |
Location | Ponta DelgadaShow on map |
Degree of Recognition | National |