Podem as estruturas infinitivas contribuir para caracterizar o desenvolvimento sintático em fases iniciais da escrita?

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Com o presente estudo, pretende-se verificar se as estruturas infinitivas podem contribuir para a caracterização do desenvolvimento sintático na escrita de crianças a frequentar o 1.º ciclo do ensino básico e se existe alguma relação entre as etapas de desenvolvimento de estruturas infinitivas observadas na produção espontânea e o seu desenvolvimento em dados de produção escrita. Investigação sobre o
desenvolvimento de estruturas infinitivas baseada em dados de produção oral permite estabelecer uma escala de desenvolvimento, com uma emergência mais precoce de infinitivos dependentes de verbos auxiliares (e.g., estar a, ir e poder) e em estruturas de controlo dependentes de verbos como querer e conseguir, e um surgimento mais tardio de infinitivos dependentes de verbos de controlo de objeto ditransitivos como ensinar e proibir (Santos, Gonçalves & Hyams, 2016; Cadime et al., 2021; Lobo & Santos, 2022). Relativamente ao desenvolvimento sintático nas fases iniciais da escrita de crianças do 1.º ciclo, trabalhos anteriores para o português (Pereira & Azevedo, 2005; Costa & Gonçalves, 2010; Autores, 2022) mostram, à semelhança do observado para outras línguas (Hunt, 1970; Silva et al., 2010; Jagaiah et al., 2020), que o surgimento de estruturas de subordinação, em detrimento da justaposição e da coordenação de frases com repetição da conjunção e, é um indicador de desenvolvimento da escrita. Não há, contudo, estudos que explorem a possibilidade de uma análise mais fina das estruturas infinitivas para caracterizar o desenvolvimento da complexidade sintática em fases iniciais da escrita. Assim, este estudo procura verificar se: (i) existe desenvolvimento sintático de estruturas infinitivas na fase inicial da escrita compositiva; (ii) a emergência e frequência de estruturas infinitivas nas produções escritas das crianças reflete as escalas de
desenvolvimento encontradas na produção oral. Globalmente, pretende-se determinar o papel das estruturas infinitivas em textos escritos por crianças no desenvolvimento da complexidade sintática.
Usou-se um corpus de 405 textos narrativos produzidos como resposta a um item de escrita compositiva do instrumento de diagnóstico do PIPALE – Projeto de Intervenção Preventiva para a Aprendizagem da Leitura e da Escrita, implementado em turmas do 2.º e 3.º anos de escolaridade. Os textos foram produzidos a partir de uma sequência de três imagens que pressupunham uma situação problemática
e a respetiva resolução. Para a análise, incluíram-se apenas os textos legíveis produzidos por falantes da variedade europeia do português. Os textos analisados correspondem a produções escritas em quatro momentos: início do 2.º ano (N = 129); fim do 2.º ano (N = 133); início do 3.º ano (N = 62) e fim do 3.º ano (N = 53). Concluída a transcrição do corpus, efetuou-se o levantamento de todas as estruturas infinitivas e procedeu-se à sua classificação de acordo com os seguintes parâmetros: i) tipo de estrutura infinitiva; ii)
forma do infinitivo (não flexionado; flexionado); iii) verbo introdutor (quando aplicável). Foi ainda considerada a extensão dos textos em número de palavras.
Os resultados obtidos indicam, globalmente, uma evolução no uso de estruturas infinitivas nos momentos analisados (gráfico 1), sendo que a percentagem de textos sem ocorrências destas estruturas diminui de forma expressiva do início para o fim do 2.º ano. Em contrapartida, verificam-se percentagens mais elevadas de textos com 3 a 5 e mesmo com 6 ou mais ocorrências de estruturas infinitivas nos momentos subsequentes. Esta evolução é acompanhada por um aumento na extensão dos textos, registando-se médias dos números de palavras de 36, 71, 60 e 69 nos quatro momentos, respetivamente.
Observa-se, no gráfico 2, uma prevalência de estruturas com verbos auxiliares (em particular, com valor temporal, aspetual e modal) transversal aos quatro momentos analisados, com uma produção entre os 57% e os 73% do total de estruturas infinitivas produzidas em cada um dos momentos. As completivas são o segundo tipo de estrutura infinitiva mais produzido. Neste contexto, a produção de estruturas de controlo é estável nos quatro momentos (com uma preferência por controlo de sujeito), assinalando-se percentagens
de uso superiores no 3.º ano. Há também uma evolução quanto aos verbos usados, havendo menos diversidade no início do 2.º ano em relação aos momentos seguintes. Regista-se ainda a produção de complementos infinitivos de verbos percetivos e causativos, porém esta diminui ao longo dos quatro momentos. Já as orações subordinadas adverbiais, sobretudo com valor temporal ou final, apresentam
percentagens inferiores a 10% do total de estruturas infinitivas produzidas em cada um dos momentos. Com uma produção inferior a 5%, encontramos predicativos adjuntos, complementos de nomes/adjetivos, infinitivas sujeito, relativas finais e outros casos (e.g., infinitivas independentes) cuja produção é residual.
Para compreender as taxas de produção de estruturas de controlo e, sobretudo, de complementos de verbos percetivos e causativos mais baixas nos quatro momentos, poderá ser necessário analisar a produção de completivas finitas. Trabalho longitudinal anterior (Autores, 2023) mostrou que o número de completivas infinitivas diminuía ao longo do percurso escolar, enquanto o número de completivas finitas
aumentava. Tais dados parecem indicar um uso progressivamente maior de estruturas mais complexas sintaticamente, sendo, porém, relevante ter-se observado que as finitas estavam dependentes de verbos que selecionam o modo indicativo. No presente estudo, observou-se, nos textos de crianças do 3.º ano, que estruturas de ECM/Estrutura de Infinitivo Flexionado/Predicado Complexo ocorrem exclusivamente com o verbo deixar. Os resultados obtidos parecem ir ao encontro do discutido em trabalhos anteriores, refletindo
a escala de desenvolvimento observada em dados de produção oral: as estruturas que emergem mais cedo em dados do oral são também as mais produzidas na amostra analisada. Julga-se que o tipo de análise de estruturas infinitivas que aqui se apresenta poderá contribuir para um retrato mais completo do desenvolvimento sintático e da questão da complexidade sintática em produções escritas iniciais.



Period24 Oct 2024
Event titleEncontro Nacional da Associação Portuguesa de Linguística
Event typeConference
Conference number40
LocationPonta DelgadaShow on map
Degree of RecognitionNational