O que é afinal a filosofia como modo de vida? Críticas Platónicas a Hadot, Sellars e Cooper

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Nas últimas décadas, autores como Pierre Hadot, John Cooper e John Sellars mostraram que a filosofia era compreendida por muitos na Antiguidade (incluindo Platão) como um modo de vida – ou seja, como uma atividade teórica que deve transformar profundamente a vida daqueles que se dedicam a ela. Nos seus traços mais gerais, uma tal caracterização parece captar a essência da prática filosófica e da metafilosofia antigas e é possível desenvolver a partir dela ricas reflexões não só sobre o modo como os pensadores antigos compreendiam a filosofia, mas também sobre algumas das principais teses epistemológicas, éticas e até políticas destes pensadores.
Para além desta caracterização geral, os autores mencionados tentam também especificar ao certo o que está envolvido na ideia da filosofia como modo de vida e que forma é que ela assume em cada autor. Contudo, tais tentativas são problemáticas. Desde logo, as especificações apresentadas divergem significativamente de autor para autor, o que suscita a questão de saber qual deles está a ser mais fiel a um determinado pensador antigo ou ao pensamento antigo em geral. Mais do que isso, há ainda a possibilidade de que a descrição que fazem da filosofia antiga não faça justiça a toda a complexidade presente nesta. Na verdade, ela pode deixar de fora ou até mesmo distorcer aspetos absolutamente essenciais da compreensão antiga da filosofia.
É precisamente esta última possibilidade que vai ser explorada nesta comunicação. Procurar-se-á mostrar que, a despeito de todos os méritos das interpretações desenvolvidas por Hadot, Cooper e Sellars, existem três aspetos do pensamento platónico que ou não são considerados ou por vezes parecem mesmo ser expressamente negados na caracterização que estes e outros autores contemporâneos fazem da filosofia antiga em geral e da filosofia platónica em particular.
Em primeiro lugar, tende-se a conceber a relação com a filosofia como algo que envolve uma escolha e até mesmo uma dupla escolha (a saber, a escolha de filosofar ou não e a escolha de como filosofar ou – como costuma ser formulada – de que escola seguir). Contudo, a conceção que domina no corpus platonicum vê antes a filosofia como algo que acontece a alguém ou algo a que alguém é forçado em certas circunstâncias.
Em segundo lugar, as caracterizações contemporâneas normalmente pressupõem que há um qualquer contacto mais ou menos evidente e imediato com o que é a filosofia e que se pode aceder a ela de forma mais ou menos imediata. Platão, porém, sublinha não só a enorme dificuldade de aceder à filosofia e de a praticar, mas também o modo como muitas práticas que podemos já considerar filosóficas ainda não são filosofia no sentido próprio da palavra.
Por fim, a caracterização que os intérpretes mencionados fazem da filosofia costuma salientar o carácter múltiplo da filosofia (inclusivamente no interior do próprio corpus platonicum, onde haveria uma filosofia ou um modo de vida filosófico de cariz socrático e outro de cariz estritamente platónico). No entanto, o confronto das várias apresentações que Platão faz da filosofia permite perceber que está sempre em causa um acontecimento essencialmente unitário e que qualquer aparente diferença tem de ser interpretada no quadro dessa unidade – caso contrário, a diferença que estará em causa será entre aquilo que é verdadeiramente filosofia e aquilo que não passa de um simulacro dela.
Como se mostrará, estas três correções fornecem uma compreensão significativamente diferente da filosofia como modo de vida, a qual é mais fiel aos textos platónicos e, para além disso, permite pôr em relevo alguns traços essenciais não só da atividade filosófica, mas também da experiência humana em geral.
Period19 Feb 2020
Event titleThe Art of Living Permanent Seminar
Event typeSeminar

Keywords

  • Metafilosofia
  • Platão
  • Tripartição
  • Amor ao saber