Notas dolentes – breves observações sobre a longa relação entre música e melancolia

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Description

A capacidade da música para afectar o estado emocional de quem a ouve (e de quem a pratica) parece evidente. Desde a Antiguidade que os filósofos se preocuparam aliás com os poderes da música e que os mitos a associaram a feitos extraordinários, como, por exemplo, o de Orfeu, cuja música era capaz de comover homens, animais e deuses e até desviar o curso dos rios. E não será por acaso que esse mesmo mito associe a música à morte e ao registo elegíaco. Pois, sendo certo que a música pode despertar diferentes tipos de emoções e disposições afectivas, há algo de misteriosamente sedutor e ao mesmo tempo desconcertante na relação de deleite que parece estabelecer com os nossos estados melancólicos. A história da música ocidental revela-nos aliás vários períodos, compositores e formas nos quais essa relação se estreitou, do Renascimento à música contemporânea, de John Dowland a Salvatore Sciarrino, do madrigal veneziano ao nocturne, passando pela pavana e pelo tombeau. Alguns chegaram mesmo ao ponto de dizer que toda a melancolia seria a condição da música – “de toda a música”! – o que emergiria paradoxalmente da sua incapacidade de significar e da ansiedade de articular um sentido (Steinberg) ou da particular relação que a música possui com o tempo e da forma como nos põe em contacto com a nossa própria temporalidade (Bar-Yoshafat). Mas, se a música tem a capacidade de nos fazer sentir e meditar sobre a nossa existência finita no tempo, ela também tem a capacidade de nos resgatar – momentaneamente – da nossa ansiedade cronofágica e, portanto, da influência de Saturno. Por outro lado, há também um embaraço da filosofia para explicar porque é que uma forma de arte não linguística, ou pelo menos, não representativa, já que não se refere a nada do mundo – se pensarmos evidentemente na “música pura” ou “absoluta”, aquela que não é acompanhada de palavras – pode ainda assim ser expressiva e capaz de nos comover. Mais desconcertante ainda, como é que uma actividade auto-referencial e sem aparente relação de causalidade (eficiente) com o mundo que lhe é exterior, tem supostamente – a acreditar em tantos autores e escritos médicos, pelo menos desde Ficino e até Oliver Sacks (mas poderíamos encontrar correspondências semelhantes noutras tradições) – um efeito terapêutico, nomeadamente, sobre estados melancólicos?
Nestas breves observações não se promete dar respostas, mas tão somente explorar e sublinhar as afinidades, as evidências e as perplexidades, passando por alguns exemplos particularmente expressivos dessa íntima e longa relação que a música possui com a melancolia.
Period19 May 2022
Event titleSeminário Permanente: Modos da Melancolia
Event typeSeminar
Degree of RecognitionNational

Keywords

  • Música
  • Melancolia