(Des)continuidades no percurso dos verbos 'ser' e 'estar'

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O português contemporâneo, à semelhança de outros sistemas ibérico-românicos, pode ser caracterizado por possuir “dois verbos ser”. A estes verbos estão associados valores frequentemente descritos como contrastivos, atribuindo-se genericamente ao verbo ser a marcação de uma relação perspetivada como ‘permanente’, ‘estável’ ou ‘inerente’ e ao verbo estar a marcação de valores perspetivados como ‘transitórios’ ou ‘temporários’. Porém, esta distribuição de valores nem sempre se verificou na história da língua portuguesa, constatando-se que o verbo ser era utilizado em diversos contextos em que atualmente apenas se admitiria o verbo estar.
Enquadrada na área da linguística histórica, esta comunicação visa apontar a relevância do estudo em diacronia como disciplina que permite averiguar os fenómenos que têm (ou não) continuidade na história da língua, adotando como caso de estudo a distribuição dos verbos ser e estar, i.e., os seus contextos de uso e valores associados. Em específico, partindo da análise de formas derivadas destes verbos em documentos dos séculos XIII a XV e com base no quadro de estudos da gramaticalização, visa-se explorar alguns dos processos de mudança linguística que poderão ter intervindo na consolidação da distinção ser/estar, atentando nos fenómenos de (des)continuidade: persistência de um contraste associado aos valores das formas-fonte de que estes verbos derivam; e, também, obsolescência de formas (por exemplo, o desaparecimento de formas do tipo sejo) e de valores (consolidação dos valores associados às formas de ser). O atual paradigma de ser possui uma história complexa de convergência de formas originalmente pertencentes a paradigmas distintos (esse ‘ser’ e sedere ‘estar sentado), processo que se supõe ter sido desencadeado pela defetividade do paradigma de esse e por uma sobreposição dos valores/funções destes verbos, esta última resultante da dessemantização e extensão dos usos do verbo postural sedere (Nunes, 1975: 294). Por sua vez, o atual paradigma de estar deriva do latino stare ‘estar em pé’. Dada a sobreposição dos contextos de uso destes verbos, é proposto por Mattos e Silva (1992) a hipótese de que as formas derivadas de sedere seriam genericamente perspetivadas como estando mais associadas a propriedades ‘transitórias’, por oposição às formas derivadas de esse, que seriam perspetivadas como estando genericamente mais associadas a propriedades ‘permanentes’, devido a alguma persistência dos valores semânticos dos verbos latinos de que derivam, com base no princípio da persistência de Hopper (1991). Pode, assim, argumentar-se a favor de um fenómeno de continuidade, em que o contraste atualmente consolidado na forma da oposição ser/estar já existiria desde os primeiros testemunhos em português, ainda que com uma diferente distribuição. Podem, ainda, ser observados fenómenos de descontinuidade, uma vez que a dessemantização (e gramaticalização) dos verbos posturais sedere, stare e, também, jazer < iacere ‘estar deitado’ (cf. Brocardo, 2014: 101-102) terá gerado uma sobreposição dos valores semânticos associados a estes verbos, o que eventualmente poderá ter determinado que as formas menos frequentes se tenham tornado redundantes e caído em desuso, processo que pode ser observado não só nas formas de iacere, mas também no desaparecimento de formas de sedere do tipo sejo, seve...
Period29 Jun 2023
Event title8.ª Conferência Internacional em Gramática e Texto / 8th International Conference on Grammar & Text: Continuidades e Desafios em Gramática & Texto / Continuity and Challenges in Grammar & Text
Event typeConference
LocationLisbon, PortugalShow on map
Degree of RecognitionInternational

Keywords

  • ser e estar
  • português medieval
  • mudança linguística
  • estudos da gramaticalização
  • supletivismo de ser