Aspectos do percurso evolutivo dos verbos ser e estar em português medieval

Activity: Talk or presentationInvited talk

Description

Em português contemporâneo, à semelhança do que sucede em outros sistemas ibero-românicos, são associados aos verbos ser e estar valores diferenciados que se caracterizam por marcar a oposição entre uma relação perspetivada como ‘inerente’ ou ‘permanente’ e uma relação ‘temporária’ ou ‘transitória’. Porém, esta distribuição
de valores nem sempre esteve consolidada na história da língua portuguesa, observando-se, em português medieval, uma sobreposição parcial dos valores semânticos associados a estes verbos. Em específico, em fases anteriores da língua portuguesa, constata-se que o verbo ser, paradigma supletivo resultante da fusão dos verbos latinos esse ‘ser’ e sedere ‘estar sentado’, era utilizado em contextos em que atualmente apenas se admitiria o verbo estar (< stare ‘estar sentado’).
Partindo da análise de formas derivadas destes verbos em documentos dos séculos XIII, XIV e XV, tanto de carácter literário como instrumental, levantadas a partir do Corpus Informatizado do Português Medieval, nesta comunicação tem-se como objetivos descrever como se distribuía essa distinção e explorar alguns dos processos de mudança linguística que intervieram na consolidação da distinção ser/estar. Esta investigação parte do quadro de estudos da gramaticalização para dar conta de alguns dos fenómenos observados no percurso destes verbos na língua portuguesa.
Como Veselinova (2006:122-126) nota, é um processo comum a diversas línguas verbos lexicais de posição estarem na origem dos verbos cópula, verificando-se que estes verbos começam a ser utilizados para denotar propriedades temporárias ou estados e, eventualmente, este uso é estendido para contextos que denotam propriedades mais permanentes. No caso das línguas românicas, em que os verbos sedere e stare estão na base dos verbos ser, estes verbos latinos teriam sofrido um processo de dessemantização e extensão, passando a significar genericamente ‘estar’, ‘ficar’ ou ‘permanecer’, o que os teria permitido aproximar-se de esse, convergindo com este em um único paradigma. Este quadro de estudos propicia, também, a análise do percurso evolutivo dos valores associados a estes verbos como resultado de um processo de competição entre formas e construções para a marcação dos mesmos valores, como sugerido por Brocardo (2014). No caso da língua portuguesa, a dessemantização dos verbos posturais sedere, stare e, também, jazer < iacere (‘estar deitado’) terá gerado uma sobreposição dos valores semânticos associados a estes verbos, o que eventualmente poderá ter determinado não só que as formas menos frequentes se tenham tornado redundantes e caído em desuso – por exemplo, as formas de sedere que competiam com as esse (do género sejo, siia) –, mas também uma diferenciação dos valores associados aos paradigmas de ser e estar.
Period5 Oct 2022
Event titleVI Congreso Internacional de Corpus Diacrónicos en Lenguas Iberorrománicas
Event typeConference
LocationVenezia, ItalyShow on map
Degree of RecognitionInternational

Keywords

  • ser e estar
  • português medieval
  • mudança linguística
  • estudos da gramaticalização
  • supletivismo de ser