Description
A aquisição de L2 (AL2) e a mudança linguística caracterizam-se pela instabilidade, variação e mudança gramaticais. Vários autores (ver Donaldson, 2022) têm proposto que a reestruturação das gramáticas nestas duas situações pode envolver processos semelhantes. No sentido de testar esta proposta, o presente estudo investiga se existem paralelos entre a mudança diacrónica e a AL2 no processo demudança de uma gramática de sujeito nulo (SN) para uma gramática de sujeito obrigatório (SO), bem como na passagem de uma gramática de objeto nulo (ON) para uma gramática de objeto não nulo (ONN).
A investigação sobre a mudança diacrónica no Português do Brasil (PB) tem mostrado que esta língua está gradualmente a tornar-se uma língua de SO e que, simultaneamente, se tornou uma língua de ON (e.g., Cyrino et al., 2000). Segundo Cyrino et al. (2000), estas mudanças foram guiadas pela hierarquia referencial apresentada na Figura 1, em que a 1.ª e a 2.ª pessoas, com o traço inerente [+humano], ocupam as posições mais altas, e o expletivo a posição mais baixa. Estas autoras propõem que “the more referential, the greater the possibility of a non-null pronoun”, e que “a null variant at a specific point on the scale implies null variants to its left in the referential hierarchy” (p. 59).
A aquisição de uma L2 como o inglês (língua de SO) por falantes nativos de uma língua de SN como o português europeu (PE) envolve uma mudança comparável à que se verificou na diacronia do PB. Surge, assim, a seguinte questão: na AL2, a mudança de uma gramática de SN para uma gramática de SO também é guiada pela hierarquia referencial? Uma vez que se propõe que esta hierarquia também se aplica aos ON, quando consideramos a aquisição do inglês como L2 (língua ONN) por falantes nativos de PE (língua de ON), surge uma questão adicional: em L2, a mudança de uma gramática de ON para uma gramática de ONN é guiada pela hierarquia da referencialidade? Apesar de existirem vários estudos sobre SN e ON em inglês L2 (e.g., Teixeira, 2019; Yuan, 1997), estas questões permanecem por investigar.
O presente trabalho investiga os SN e os ON nas gramáticas de falantes de PE L1- inglês L2. Os participantes foram 15 adultos falantes nativos de inglês e 54 adultos aprendentes de inglês L2 (18 em cada nível: B2, C1 e C2). Foram utilizadas duas tarefas de juízo de aceitabilidade com pressão de tempo, que, de acordo com vários autores (e.g., Ellis, 2005), forçam os participantes a usar primordialmente o seu conhecimento implícito. A tarefa sobre os sujeitos tinha um desenho 2x5, cruzando as variáveis realização do
sujeito (nulo vs. pleno) e tipo de sujeito (2p humano vs. 3p humano vs. 3p não humano vs. proposicional vs. expletivo). A tarefa sobre os objetos apenas testou a 3.ª pessoa e tinha um desenho 2x3, cruzando as variáveis realização do objeto (nulo vs. pleno) e tipo de objeto (humano vs. não-humano vs. proposicional).
Os resultados mostram que, no nível B2, os aprendentes aceitam sujeitos pronominais plenos (SP) significativamente mais do que SN (ps ≤ .0446) quer quando o sujeito é [+humano] (2p e 3p), quer quando é [- humano]. No entanto, os aprendentes apresentam um efeito de animacidade na aceitação de SN referenciais de 3.ª pessoa, apresentando taxas de aceitação mais elevadas de SN [-humanos] do que de
[+humanos] (p = .0229). Relativamente aos sujeitos proposicionais e expletivos, os aprendentes de nível B2 não fazem distinção entre SN e SP (ps ≥ .1116), aceitando ambos. No entanto, quando comparamos SN proposicionais e expletivos, verifica-se que os últimos são significativamente mais aceites (p = .0166). No nível C1, os aprendentes preferem claramente os SP aos SN em todas as condições (ps < .0001), exceto na de sujeito expletivo, em que a diferença entre SP e SN apenas se aproxima de significância estatística (p = .0738). Tal como no nível B2, no nível C1, observa-se um efeito de animacidade na aceitação de SN de 3.ª pessoa (p = .0003) e uma assimetria na aceitação de SN proposicionais e expletivos (p = .0015). Finalmente, os aprendentes de nível C2 convergem com a língua alvo, aceitando SP e rejeitando os SN em todas as condições (ps ≤ .0002), tal como os nativos. Não foram encontradas diferenças entre condições na aceitação de SN (ps ≥ .1).
No que diz respeito aos objetos, os resultados revelam que o grupo de controlo e os grupos de aprendentes aceitam objetos realizados significativamente mais do que nulos em todas as condições (ps ≤ .0286). Contudo, ao contrário dos nativos, os aprendentes de nível B2 e C1 não rejeitam completamente os ON, tendo taxas médias de aceitação superiores a 3 na condição de objeto [-humano] (só no nível B2), e na condição de objeto proposicional (nos níveis B2 e C1). A análise estatística revela que, nestes níveis de proficiência, a aceitação de ON é maior quando o antecedente é [-humano] do que quando é [+humano] (ps ≤.0366), e que os ON proposicionais são significativamente mais aceites do que os [-humanos] (ps ≤ .0022). No nível C2, os aprendentes rejeitam igualmente os ON em todas as condições.
Em conjunto, estes resultados sugerem que, tal como observado na mudança diacrónica do PB, na AL2 de inglês por falantes de PE, as mudanças que envolvem categorias nulas se desenvolvem gradualmente seguindo a hierarquia referencial. Nas interlínguas destes aprendentes, os SN e os ON com o traço [+ humano] são mais permeáveis à mudança do que os que têm o traço [-humano], que ocupam uma posição mais baixa na hierarquia referencial. Os SN e os ON que apresentam maior resistência à mudança são os que se situam na base desta hierarquia, nomeadamente as categorias proposicionais nulas e os expletivos. A tarefa de juízos sobre sujeitos, que é a única que inclui expletivos, revela que os expletivos nulos tendem a ser os mais difíceis de eliminar das gramáticas dos aprendentes de L2. O único contraste previsto pela hierarquia referencial de Cyrino et al (2000) que não encontramos nas interlínguas dos aprendentes de inglês L2 (pelo menos nos níveis que testámos) é a assimetria entre 1.ª e 2.ª pessoas e 3.ª pessoa na aceitação de SN com traço [+humano]. Em síntese, os nossos resultados indicam que, tal como na diacronia do PB, na AL2 do inglês por falantes nativos de uma língua de SN e de ON, quanto menos referencial, maior a possibilidade de uma categoria nula.
Period | 24 Oct 2024 |
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Event title | Encontro Nacional da Associação Portuguesa de Linguística |
Event type | Conference |
Conference number | 40 |
Location | Ponta DelgadaShow on map |
Degree of Recognition | National |