Description
O presente trabalho integra-se num projeto de doutoramento que se propõe estudar o processo de aquisição da morfologia aspetual em português. Nomeadamente, esta tarefa visa investigar como é que as crianças bilingues de mandarim e português interpretam o uso do presente progressivo (PrProg) (imperfetivo) e do pretérito perfeito (PP) (perfetivo) em diferentes contextos. Pretende-se também perceber se os fatores extralinguísticos, como a experiência linguística (ExpL) e a idade de início de exposição regular ao português (IERP) influenciam a aquisição e a compreensão da morfologia aspetual.As frases possuem um tempo externo, a que chamamos tempo, e um tempo interno, o aspeto, que pode ser dividido em aspeto gramatical e lexical. Relativamente ao aspeto gramatical em português, destacamos aqui os valores do perfetivo e do imperfetivo, em particular o progressivo (de Swart 2012). Quanto ao aspeto lexical, este depende da natureza semântica dos predicados e dos seus argumentos internos, e pode caraterizar-se, entre outros valores, por ser [+/-télico], [+/-dinâmico] e [+/-durativo]. Neste trabalho, iremos focar-nos na oposição entre uma situação que, no momento da enunciação, está acabada/concluída (perfetivo, cf.1) e uma situação que, no mesmo momento, se encontra em curso (PrProg, cf. (2)), e nas classes aspetuais dos eventos (ou seja, das situações caracterizadas pela sua dinamicidade): atividades, accomplishments e achievements. Em línguas como o português, o aspeto pode ser marcado pela flexão verbal (cf.3), por verbos auxiliares (cf.4) e por expressões adverbiais (cf.5). Por outro lado, em línguas como o chinês os falantes recorrem a marcadores aspetuais, como le, guo, zai e zhe, que não expressam o tempo da frase, mas sim diferentes perspetivas sobre a situação (Li & Thompson 1981).
Alguns estudos sobre aquisição de aspeto em L2 concluíram que as propriedades semânticas do verbo guiam a aquisição do aspeto gramatical, e que este processo ocorre segundo
uma determinada sequência (Hipótese da Primazia do Aspeto HPA, Andersen & Shirai 1996): os falantes começam por associar o passado perfetivo aos predicados télicos (Bardovi-Harlig 1999) e o presente e o passado imperfetivo aos predicados atélicos (Collins 1997; Finger et al 2006). A investigação na área do bilinguismo tem demonstrado que uma criança exposta a mais do que uma língua desde muito cedo percorre, em ambas as línguas, os mesmos estádios de aquisição que as crianças que apenas têm contacto com uma única língua. As crianças bilingues desenvolvem assim, dois sistemas gramaticais autónomos (Flores 2013), embora as línguas possam influenciar-se entre si (Paradis & Genesee 1996). A idade de início de exposição regular à segunda língua, neste caso o português, parece ter um impacto relevante neste percurso, assim como a ExpL. A ExpL é geralmente definida tendo em conta a quantidade e a qualidade do input que a criança recebe nas duas línguas, isto é, o uso, ou a frequência de uso, de cada uma dessas línguas (Unsworth 2016).
Assim, para esta tarefa partimos das seguintes questões de investigação: (i) os falantes bilingues adquirem as propriedades aspetuais numa determinada sequência, apoiando-se nos traços lexicais dos predicados, como defende a HPA? (ii) como é que os falantes bilingues interpretam o uso das formas verbais do PrProg e do PP em português em diferentes contextos? e (iii) a ExpL e/ou o IERP influenciam esta interpretação das formas verbais do PrProg e do PP?
Para responder a estas questões, desenhamos uma tarefa de seleção de imagem, para investigar se os falantes bilingues estabelecem as correspondências esperadas quanto às formas morfológicas do aspeto em diferentes contextos. Apresentamos situações associadas a frases que denotam diferentes relações aspetuais para com um determinado ponto de referência temporal, que neste caso corresponde ao presente: com morfologia perfetiva (descrevendo ações que terminaram antes desse ponto) e com morfologia progressiva (descrevendo ações em curso/a decorrer num período que inclui esse ponto). Testámos os seguintes predicados (i) atividades: beber água, correr e nadar; (ii) achievements: cair, chegar e sair; (iii) accomplishments: comer uma banana, construir uma casa e pintar o quadro. A tarefa é constituída por um total de 36 itens – 18 itens experimentais e 18 distratores –, para além de 2 itens de treino.
Para este trabalho analisamos as respostas de 43 falantes bilingues de mandarim e português e 43 falantes nativos de português, com idades que variam entre os 6 e os 12 anos e que se encontram entre o 1.º e o 6.º ano de escolaridade (tabela 1 e 2). A tarefa foi realizada presencialmente, sem limite de tempo. Foi também aplicado um questionário sociolinguístico aos falantes bilingues, preenchido pelos pais, que nos permitiu aferir o índice de ExpL e IERP de cada um dos participantes.
Numa análise preliminar dos resultados desta tarefa, constatamos que os falantes bilingues apresentam uma taxa de acerto mais baixa nos itens de atividade no perfetivo (tabela 3), o que pode estar relacionado com o facto de terem preferência pela interpretação que privilegia uma situação durativa com uma culminação ou limite final. Quanto ao progressivo, tanto os falantes bilingues como os nativos de português têm uma taxa de acerto mais baixa nos itens de achievements (tabela 4), possivelmente por estes implicarem uma mudança de estado perspetivada na sua culminação e não no seu processo. Assim, parece-nos que os falantes bilingues se apoiam, nestes casos, nos traços lexicais dos predicados, associando o perfetivo a predicados télicos e o imperfetivo a predicados atélicos.
Procuraremos complementar estes resultados analisando os fatores extralinguísticos ExpL e IERP, discutindo se eles influenciam ou não a aquisição da morfologia aspetual. No entanto, pelo observado até ao momento, não nos parece existir uma relação linear entre a taxa de acerto e a ExpL / IERP, sendo o nível de escolaridade e a idade os fatores que nos parecem mais sugestivos de relação com as dificuldades mostradas pelos falantes (aquisição mais tardia da morfologia de aspeto em português).
Period | 26 Oct 2023 |
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Event title | XXXIX Encontro Nacional da Associação Portuguesa de Linguística |
Event type | Conference |
Location | PortugalShow on map |
Degree of Recognition | National |
Keywords
- Aquisição de morfologia aspetual
- compreensão
- crianças bilingues
- dominância linguística
- idade de início de exposição